Lá do alto do campo de futebol, na cabine de narração, às margens do gramado, ou em frente ao computador, o adolescente João Gabriel Fabru Sales, 16, descreve as partidas com empolgação. Autista, no esporte, ele encontrou uma forma de se expressar e o sonho de uma futura profissão.
Dono da página "Futeba Raiz – Estadual é aqui", no Instagram, o douradense herdou do pai a paixão pelo futebol. Entre partidas presenciais e online, ele já narrou mais de 60 jogos, alguns em parceria com outros comentaristas.
Acostumado a ser o entrevistador, João Gabriel conversou com a reportagem do Dourados News no estádio Napoleão Francisco de Souza, na Leda (Liga Esportiva Douradense de Amadores). Um pouco nervoso e tímido no começo da entrevista, ele se soltou quando o universo dos jogos se tornou o assunto.
Sem saber, o local combinado para o bate-papo, foi onde o adolescente teve a ideia de narrar jogos, em 2022, inesperadamente. No dia, ele foi assistir o 1º jogo da final do estadual Sub 17, quando se enfrentaram Aefa e Santo Antônio.
Ele conta que estava sentado na arquibancada, quando passados cerca de 20 minutos do primeiro tempo, começou a narrar a movimentação dos jogadores no campo.
Um integrante de outro clube notou e perguntou se ele queria narrar um jogo no final de semana seguinte e, a partir de então, não parou mais.
Segundo João, a proximidade com o futebol aconteceu bem cedo, entre seis e sete anos; e começou a gostar dos escudos dos times. "Gosto bastante de ver desenhos, essas coisas assim, e fui começando a ver o nome das equipes", comentou.
Além disso, o garoto afirma que sempre gostou de ir aos estádios acompanhar as partidas, citando que já foi ao Douradão e à Arena Conda, em Chapecó, Santa Catarina. "É uma paixão que veio inesperadamente, mas é boa", diz.
Palmeirense de coração, João disse que ainda considera a narração um passatempo, mas um dos sonhos é ser repórter esportivo. E, além da diversão que narrar jogos proporciona, foi o que o impediu de entrar em depressão.
Ele conta que a bisavó, falecida em fevereiro de 2021, vítima da Covid-19, marcou a sua vida e a aceitar a despedida foi difícil, "isso para mim foi um baque muito grande, mas o futebol, as narrações, foram me aliviando, tanto quanto a esperança que tenho em Deus".
Autismo & Futebol
O adolescente comenta sobre a aceitação do autismo no universo do futebol, "existe muita inclusão por parte dos narradores pela causa autista, existe esse chamado. E toda vez que narro um jogo me dá uma alegria, de poder fazer as narrações, de poder estar trabalhando com isso", diz.
Entretanto, os jogos também são narrados pela internet, espaço onde muitas pessoas se escondem para proferir ataques, e João foi vítima de comentários maldosos, "duas pessoas entraram na minha live e ficaram me chamando de demente, ficaram tirando onda com a minha narração".
João comenta que na época ficou muito chateado com a situação, parou de narrar no meio do jogo, porque não eram críticas construtivas, apenas ódio sendo destilado, "mas eu não tenho mágoa desse caso", afirma, por considerar que isso faria que se tornasse igual aqueles que proferiram as ofensas.
Amor pelo futebol
Hermon Sales, pai de João, o acompanhou durante a entrevista, assim como em vários jogos, e diz que é gratificante ver o filho se desenvolvendo, "quando a gente diagnosticou ele, não tínhamos perspectivas nenhuma, até porque não tínhamos informação", explica.
Apaixonado por futebol, ele conta que deixou o esporte um pouco de lado devido ao tratamento de João, que começou aos dois anos, e pela correria de conciliar trabalho e a família. Entretanto, diz que tem procurado alternativas para voltar aos campos e vivenciar esses momentos com o primogênito.
Por outro lado, Sales considera importante que João conquiste a sua independência e deixa que ele viva alguns desses momentos sozinho, "eu sei que ele precisa aprender e sei que nesse ambiente não vai ter problema nenhum", e finaliza dizendo que o sonho é ver o filho bem e realizando sonhos.
Fonte: Dourados News